04/06/2021
Artigo | Urbanismo a favor das pessoas
Passada recentemente a data em que Flores da Cunha, essa jovem senhora em termos de cidade, completa 97 anos – caminhando para o seu primeiro centenário –, é com alegria que falo um pouco sobre urbanismo e busco ensaiar algumas tendências para a cidade no que refere o seu avanço em termos urbanos.
Antes, porém, é importante levantar alguns dados históricos balizantes. Primeiro falando de país. O Brasil é um país urbano: o Censo do IBGE de 2010 mostra que 84% da população brasileira vive em cidades. Nos últimos 50 anos, houve um aumento de mais de 130 milhões de pessoas na população urbana do país (o equivalente ao nascimento de uma metrópole de 2,6 milhões de pessoas a cada ano). Em se tratando de Flores da Cunha, mesmo que num primeiro momento temos a impressão de ser uma região bastante rural, pela própria atividade agrícola e primária, registramos um total de 82% de domicílios urbanos, para apenas 18% de domicílios rurais. Estamos, então, alinhados com a média nacional.
E se temos 4/5 da população vivendo em área urbana, onde encontramos as mais diversas opções de serviços e onde estão, majoritariamente, as ofertas de emprego, é neste contexto que os avanços devem acontecer e onde, também majoritariamente, o investimento deve se concentrar. Investimento este também baseado em uma cidade que cresce de forma contínua. Nos últimos 20 anos, a população florense cresceu mais de 31%, passando de 23.678 habitantes em 2000 para 31.402 em expectativa de 2019.
Como regra para a construção da cidade temos o Plano Diretor, que é a lei municipal que estabelece diretrizes para a ocupação urbana. O plano visa analisar as características físicas, a predominância de atividades e as vocações da cidade. Enfim, seus problemas e potencialidades. É o conjunto de regras que determina o que pode e o que não pode ser feito em cada fração ou zoneamento do território da cidade.
A construção de qualquer cidade é um processo longo e extremamente complexo, e planos rígidos quase sempre resultam, na prática, em consequências negativas, porque a cidade é um organismo complexo e não tem, e nem deve mesmo ter, um objetivo duro ou forma final. Aqui quero dizer que, mesmo que o cenário de crescimento da cidade aponte algumas direções, a participação de todos os atores da sociedade é que deve, verdadeiramente, guiar as decisões acerca do planejamento urbano. Plano duro não define os movimentos de uma sociedade em rápida transformação.
Se tratando de um ensaio de vetores de crescimento, sem nenhuma tecnicidade de pesquisa que não uma mera observação, destaco:
1. Uma forte vocação turística no município que deve, enfim, tomar uma dinâmica de crescimento muito pelas iniciativas empreendedoras e que seguramente deverá encontrar respaldo público. Isso se deve a fatores do ambiente como localização estratégica, beleza natural impar e também por elementos como cultura forte, gastronomia e enogastronomia, com interior forte e bem organizado.
2. Perspectiva de ‘cidade dormitório’ – pela qualidade do ambiente e condição de acesso ao bem imobiliário. Já se observa um movimento pendular forte, de quem define por fixar residência em território florense, mesmo que sua atividade profissional seja em alguma cidade vizinha, especialmente Caxias do Sul. Uma cidade tranquila, bem cuidada, mais segura e com uma ampla oferta de serviços (inclusive de educação e saúde) dá a Flores da Cunha uma proposta de valor incrível, e torna a procura por moradia a partir de cidades vizinhas um grande vetor de crescimento urbano.
3. A indústria tem a representatividade de 55% no Valor Adicionado do município. Para a perspectiva de urbanização e crescimento da cidade surge a necessidade de estruturas para indústria como pavilhões, centros logísticos, condomínios industriais. Existe uma pressão regional por boas estruturas de indústria e que podem encontrar no território florense boa oferta. Quanto mais indústria, maior a geração de riqueza e maior a renda per capita. Mais e mais imóveis são necessários então para suprir a demanda, seja de instalação ou habitação para trabalhadores.
4. Criação de bons espaços públicos em território municipal. Vimos nos últimos anos aumentar a oferta de estruturas públicas de qualidade para o uso coletivo. Podemos citar ciclovias, praças, parques, mirantes, espaços naturais e verdes. A rápida aceitação dessas estruturas pela população não só atesta a sua qualidade, que é rapidamente percebida, mas também a carência que ela representava. E, novamente, se nossa matriz habitacional é majoritariamente urbana, então a oferta de bons espaços de uso público se torna mais um fator a observar no crescimento urbano, já que esses espaços entregam qualidade de vida para a população.
5. Tendência de uma cidade policêntrica. Núcleos urbanos de qualidade já se formam em distintas direções da cidade, como bairros completos que, além da moradia, têm serviços, mercados, escolas, etc. Ainda assim, geram uma conexão facilitada, segura, ativa e necessária com o centro tradicional. Existe, então, uma necessidade de pensar os conceitos atuais de fachada ativa, usos mistos e adensamento, que é defendido por grande parte das novas correntes do urbanismo, até mesmo para conseguir adensar o próprio centro citado acima e gerar uma dinâmica de construção e custos envolvidos mais coerentes. Deverá se ver em breve, também pelo próprio bem do custo cidade, uma discussão sobre índices construtivos, altura, recuos para que se adense mais, evitando também deslocamentos desnecessários. Construir mais com menos área de chão é uma necessidade do crescimento das cidades, para que ela se concentre em centros, e para que a população consiga, cada vez mais, acessar serviços de forma rápida e até mesmo a pé.
6. Além do macro, do planejamento, existe uma tendência a pensar em microescala, um urbanismo tático que visa uma intervenção pequena, até mesmo promovida por entes da sociedade que se dispõem a isso, e que vai propor uma dinâmica diferente para um determinado local. Poderá ser a requalificação de uma rua, sinalização, uma paginação de piso diferente – até mesmo provisória, para testar dinâmicas de uso na cidade. Vimos, por exemplo, a simples pintura de uma ciclofaixa no acesso Norte do município, de uma iniciativa do poder público, ganhar muitos adeptos de uso do dia para a noite. A requalificação de praças, instalação de piso tátil, rampas para cadeirantes e por aí vai. É importante a aplicação da norma – ou da boa prática, e o entendimento do empreendedor sobre os diferentes tipos de uso do espaço construído na cidade, pelos diferentes públicos e suas necessidades específicas. Iniciativas privadas como o Parklet, localizado na Rua Dr. Montaury, que foi ação de um grupo de empreendedores locais, e que eu orgulhosamente participei, são iniciativas de baixo custo e que entregam muito para a qualidade da cidade.
E já que estamos falando e comemorando um quase centenário de Flores da Cunha, quero finalizar dizendo que as cidades são e serão cada vez mais centros de diversidade cultural, de costumes e modos de vida. Somos uma cidade tradicional e diversa ao mesmo tempo. Já somos quase 40% de residentes não nascidos aqui, mas que escolheram ou se sentiram acolhidos por Flores da Cunha para chamar de lar. São florenses de nascimento ou de coração, gente dos mais diversos Estados do país e também de fora do país, das mais diversas culturas e etnias.
Falar de urbanismo também é entender a dinâmica e as necessidades de toda uma comunidade, natural ou não natural, e buscar por meio dos espaços construídos uma oferta viável, segura e confortável para o nosso lar.
Auber Césaro Santini de Oliveira
Diretor de Planejamento e Comercial da Olimóveis Urbanismo
*Artigo originalmente publicado pelo Jornal O Florense, em edição especial comemorativa aos 97 anos de Flores da Cunha.